Miguel Reale e o Direito
Miguel Reale nasceu na bucólica e pacata cidade de São Bento do Sapucaí,
na serra da Mantiqueira, no médio vale do Paraíba, em plena primavera do dia 6
de novembro de 1910. Foi supervisor da comissão elaboradora do Código Civil
brasileiro de 2002, cujo projeto foi posteriormente sancionado pelo presidente
Fernando Henrique Cardoso, tornando-se a Lei n. 10.406/02, base do nosso novo
Código Civil.
Miguel Reale formou-se
em Direito pela Universidade de São Paulo em 1934, ano em que publicou seu
primeiro livro, "O Estado Moderno". Nessa ocasião, foi um dos
dirigentes da Ação Integralista Brasileira.
Paralelamente a outras atividades, manteve sempre seu escritório de advocacia.
Provocou, quando ainda
jovem estudante, verdadeira revolução, nas ciências jurídicas, ao conceber a
teoria tridimensional do direito, estabelecendo a união dialética entre os três
elementos: fato, valor e norma; entretanto, com a humildade dos verdadeiros
sábios, creditou a repercussão desta doutrina à iniciativa do mestre italiano
Luigi Bagolini, da Universidade de Gênova, que, com Giovanni Ricci, traduziu
seu livro de Filosofia do Direito, fazendo ressoar a boa nova na Itália, berço
de grandes juristas e filósofos.
É muito extensa a lista
de títulos honoríficos bem como de medalhas e condecorações que recebeu, tanto
em nível nacional quanto internacional. Reale
pontificou em tudo que fez. Deixou obras imortais. Escreveu ensaios. Escreveu
para revistas, jornais e para a Internet, até sua partida para o outro plano.
Nunca esmoreceu um momento sequer.
Em 1951 chefiou a
Delegação Brasileira junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT) em
Genebra. Em 1953 publicou seu curso de Filosofia do Direito. No ano seguinte,
fundou a Sociedade Interamericana de Filosofia, da qual foi duas vezes
Presidente.
Miguel Reale era pai de
três filhos, incluindo o também jurista Miguel Reale Jr., ex-ministro de
Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso. Miguel Reale
encara o Direito de um ângulo ético, isto é, do ponto de vista da práxis. Aqui,
o processo é visto como diz o próprio Reale em termos de “experiência
axiológica” ou “histórico-cultural”. Ao analisar o Direito enquanto
“historicismo axiológico”, Reale entende que sujeito e objeto se implicam e se
relacionam, mas desta relação não resulta a redução de um pelo outro e nem que
seja imaginável a existência de um dos termos sem a existência do outro.
Reale enfatiza, também, que a
história não pode ser imaginada como algo acabado e que a própria categoria do
passado só existe na medida em que haja possibilidade de futuro. O jus-filósofo
brasileiro atenta, ainda, que o presente se constitui em tensão entre passado e
futuro, e o dever ser “a dar peso e significado ao que se é e se foi”[1].
Por fim, ressalte, ainda, que Miguel
Reale afirma que “O Direito é um processo aberto exatamente porque é próprio
dos valores, isto é, das fontes dinamizadoras de todo o ordenamento jurídico,
jamais se exaurir em soluções normativas de caráter definitivo”[2].Quando falamos
em Direito, a primeira noção que nos surge é a de um conjunto sistemático de
regras obrigatórias de normas e leis, que determina a prática de certos atos e
a abstenção de outros.
Ao citarmos
“A Teoria Tridimensional do Direito”, do jus-filósofo Miguel Reale, ao
sistematizá-la, contemplamos o Direito não como um esquema puramente lógico,
mas, uma vez que a Ciência Jurídica deve ser considerada em termos de uma
realidade cultural, onde a norma é tomada como resultado da tensão entre fato e
valor, ou seja, para o devido entendimento da norma jurídica, se faz estudá-la
numa relação de unidade e de integração entre fatos e valores.
Acentue-se que a obra de Miguel
Reale é uma daquelas obras[3] que se
renovam no tempo e no espaço, a dizer, é uma obra que se atualiza pela própria
lógica de sua tese, mormente porque o jus-filósofo não vê o homem tão-somente
no processo histórico-cultural, tendo em vista que “o homem é, também, a
história por fazer-se”.
Para Reale, a estrutura do direito e
tridimensional, formado por três elementos -
fato, valor e norma- visto
como elemento normativo que disciplina os comportamentos interindividuais e
coletivos, pressupõe sempre uma dada situação de fato, referida a valores
determinados. Podemos afirmar que encontraremos esses três elementos, onde quer
que se faça presente a experiência jurídica e para facilitar nosso
entendimento, elencamos os conceitos dos tais:
Fato: É o acontecimento social referido
pelo direito; o fato interindividual que envolve interesses básicos para o
homem.
Valor: Toda obra humana é impregnada de
valor, assim como o direito, ele protege e procura realizar valores ou bens
fundamentais da vida social, como a ordem, a segurança e a justiça.
Norma: Consiste no padrão da conduta social
que estado impõe ao indivíduo; objeto da ciência do direito ou da
jurisprudência; aplicação da norma, referente ao fato social.
A análise do esquema abaixo vem
reafirmar o que foi dito anteriormente, vejamos:
a)
Se F é, deve ser P.
b)
Se não for P, deverá ser S.
Assim
: Sendo F o fato, P prestação(valor) e S sanção(norma).
A divulgação da Teoria
Tridimensional do Direito de Reale vem à tona e contrasta com o normativismo
hierárquico de Kelsen, em particular porque nas palavras do jus-filósofo
brasileiro:
"(...)
a norma é a indicação de um caminho, porém, para percorrer um caminho, devo
partir de determinado ponto e ser guiado por certa direção: o ponto de partida
da norma é o fato, rumo a determinado valor. Desse modo, pela primeira vez, em
meu livro Fundamentos do
Direito, eu comecei a elaborar a tridimensionalidade. Direito não é só
norma, como quer Kelsen, Direito, não é só fato como rezam os marxistas ou os
economistas do Direito, porque Direito não é economia. Direito não é produção
econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o Direito não é
principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural tomista, por
exemplo, porque o Direito ao mesmo tempo é norma, é fato e é valor".
Diante
exposto, podemos inferir a importância que a teoria tridimensional do Direito
de Miguel Reale teve para o mundo jurídico, pois contribuiu muito com a revisão
de conceitos que estavam quase solidificados no Direito, trazendo novos
posicionamentos frente à operacionalização do mesmo.
Miguel
Reale encara o Direito de um ângulo ético, isto é, do ponto de vista da práxis.
Aqui, o processo é visto como diz o próprio Reale em termos de “experiência
axiológica” ou “histórico-cultural”[34].
Ao analisar o Direito enquanto “historicismo axiológico”, Reale entende que
sujeito e objeto se implicam e se relacionam, mas desta relação não resulta a
redução de um pelo outro e nem que seja imaginável a existência de um dos
termos sem a existência do outro.
Reale enfatiza, também, que a
história não pode ser imaginada como algo acabado e que a própria categoria do
passado só existe na medida em que haja possibilidade de futuro. O jus-filósofo
brasileiro atenta, ainda, que o presente se constitui em tensão entre passado e
futuro, e o dever ser “a dar peso e significado ao que se é e se foi”.
Por fim, ressalte, ainda, que Miguel
Reale afirma que “O Direito é um processo aberto exatamente porque é próprio
dos valores, isto é, das fontes dinamizadoras de todo o ordenamento jurídico,
jamais se exaurir em soluções normativas de caráter definitivo”[42].
A bilateralidade
é intrínseca ao direito, pois este, sendo fato social , - teoria
tridimensional segundo Miguel Reale elencada a cima - pressupõe sempre a
presença de dois ou mais indivíduos. A
bilateralidade atributiva é característica essencial da conduta de natureza
jurídica. É a união objetiva de conduta que constitui e delimita exigências
entre dois ou mais sujeitos e atribui tanto "direitos" como
"deveres" entre os sujeitos da relação jurídica. "Uma proporção
intersubjetiva em função da qual os sujeitos de uma relação ficam autorizados a
exigir ou a fazer algo".
Segundo
Reale," o direito é a ordenação ética coercível e bilateral atributiva das relações
sociais, na medida do bem comum" ou até mesmo "união objetiva de
conduta que constitui e delimita exigências entre dois ou mais sujeitos e
atribui tanto "direitos" como "deveres" entre sujeitos da
relação da relação jurídica" . Sua definição, portanto, apresenta a soma
das características gerais e distintivas das normas éticas.
Analisando-se os termos utilizados
pelo autor na definição, verificamos que o direito é uma ordenação - conjunto
de normas que organizam alguma coisa. Por
ser uma ordenação ética, essas normas organizam a esfera ética da cultura
humana.O direito, assim, é um conjunto de normas éticas (uma “ordenação
ética”). Todas as normas éticas compartilham de determinadas características
gerais, como ditos acima: são imperativas (impõem uma conduta; regem-se pelo
princípio da imputação – “dever ser”), violáveis (a conduta pode ser respeitada
ou não) e contra fáticas (ainda que sejam desrespeitadas, as normas éticas não
perdem seu valor). Além disso, o direito possui todas as características
distintivas das normas éticas, conforme especificado por Miguel Reale:
- É coercível, ou seja, busca minimizar o índice de
violabilidade mediante ameaças de recurso à força;
- É heterônomo, pois as normas jurídicas são elaboradas pelo
Estado e devem ser cumpridas independentemente da aceitação íntima do
destinatário;
- É axiologicamente bilateral, pois busca concretizar valores
que não estão reduzidos a uma das partes da relação fática, e sim valores
que levam ao bem comum;
- É atributivo, pois atribuem poderes garantidos aos
destinatários das normas jurídicas.
Convém destacar, por fim, que tal
definição congrega os três elementos da tridimensionalidade ética: fato,
valor e norma. O direito busca valores ligados ao bem comum (bilateralidade
axiológica) por meio da criação de normas éticas heterônomas que limitam os
fatos de modo coercível e atributivo.
Referências:
[1] Ibidem, p.81