quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Posted by RDTD On 14:07

Miguel Reale e o Direito


          Miguel Reale nasceu na bucólica e pacata cidade de São Bento do Sapucaí, na serra da Mantiqueira, no médio vale do Paraíba, em plena primavera do dia 6 de novembro de 1910. Foi supervisor da comissão elaboradora do Código Civil brasileiro de 2002, cujo projeto foi posteriormente sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, tornando-se a Lei n. 10.406/02, base do nosso novo Código Civil.
            Miguel Reale formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo em 1934, ano em que publicou seu primeiro livro, "O Estado Moderno". Nessa ocasião, foi um dos dirigentes da Ação Integralista Brasileira. Paralelamente a outras atividades, manteve sempre seu escritório de advocacia.
            Provocou, quando ainda jovem estudante, verdadeira revolução, nas ciências jurídicas, ao conceber a teoria tridimensional do direito, estabelecendo a união dialética entre os três elementos: fato, valor e norma; entretanto, com a humildade dos verdadeiros sábios, creditou a repercussão desta doutrina à iniciativa do mestre italiano Luigi Bagolini, da Universidade de Gênova, que, com Giovanni Ricci, traduziu seu livro de Filosofia do Direito, fazendo ressoar a boa nova na Itália, berço de grandes juristas e filósofos.
            É muito extensa a lista de títulos honoríficos bem como de medalhas e condecorações que recebeu, tanto em nível nacional quanto internacional.            Reale pontificou em tudo que fez. Deixou obras imortais. Escreveu ensaios. Escreveu para revistas, jornais e para a Internet, até sua partida para o outro plano. Nunca esmoreceu um momento sequer.
            Em 1951 chefiou a Delegação Brasileira junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT) em Genebra. Em 1953 publicou seu curso de Filosofia do Direito. No ano seguinte, fundou a Sociedade Interamericana de Filosofia, da qual foi duas vezes Presidente.
            Miguel Reale era pai de três filhos, incluindo o também jurista Miguel Reale Jr., ex-ministro de Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso. Miguel Reale encara o Direito de um ângulo ético, isto é, do ponto de vista da práxis. Aqui, o processo é visto como diz o próprio Reale em termos de “experiência axiológica” ou “histórico-cultural”. Ao analisar o Direito enquanto “historicismo axiológico”, Reale entende que sujeito e objeto se implicam e se relacionam, mas desta relação não resulta a redução de um pelo outro e nem que seja imaginável a existência de um dos termos sem a existência do outro.
            Reale enfatiza, também, que a história não pode ser imaginada como algo acabado e que a própria categoria do passado só existe na medida em que haja possibilidade de futuro. O jus-filósofo brasileiro atenta, ainda, que o presente se constitui em tensão entre passado e futuro, e o dever ser “a dar peso e significado ao que se é e se foi”[1].
            Por fim, ressalte, ainda, que Miguel Reale afirma que “O Direito é um processo aberto exatamente porque é próprio dos valores, isto é, das fontes dinamizadoras de todo o ordenamento jurídico, jamais se exaurir em soluções normativas de caráter definitivo”[2].Quando falamos em Direito, a primeira noção que nos surge é a de um conjunto sistemático de regras obrigatórias de normas e leis, que determina a prática de certos atos e a abstenção de outros.
            Ao citarmos “A Teoria Tridimensional do Direito”, do jus-filósofo Miguel Reale, ao sistematizá-la, contemplamos o Direito não como um esquema puramente lógico, mas, uma vez que a Ciência Jurídica deve ser considerada em termos de uma realidade cultural, onde a norma é tomada como resultado da tensão entre fato e valor, ou seja, para o devido entendimento da norma jurídica, se faz estudá-la numa relação de unidade e de integração entre fatos e valores.
            Acentue-se que a obra de Miguel Reale é uma daquelas obras[3] que se renovam no tempo e no espaço, a dizer, é uma obra que se atualiza pela própria lógica de sua tese, mormente porque o jus-filósofo não vê o homem tão-somente no processo histórico-cultural, tendo em vista que “o homem é, também, a história por fazer-se”.
            Para Reale, a estrutura do direito e tridimensional, formado por três elementos -  fato, valor e norma- visto como elemento normativo que disciplina os comportamentos interindividuais e coletivos, pressupõe sempre uma dada situação de fato, referida a valores determinados. Podemos afirmar que encontraremos esses três elementos, onde quer que se faça presente a experiência jurídica e para facilitar nosso entendimento, elencamos os conceitos dos tais:
Fato: É o acontecimento social referido pelo direito; o fato interindividual que envolve interesses básicos para o homem.
Valor: Toda obra humana é impregnada de valor, assim como o direito, ele protege e procura realizar valores ou bens fundamentais da vida social, como a ordem, a segurança e a justiça.
Norma: Consiste no padrão da conduta social que estado impõe ao indivíduo; objeto da ciência do direito ou da jurisprudência; aplicação da norma, referente ao fato social.
            A análise do esquema abaixo vem reafirmar o que foi dito anteriormente, vejamos:
a) Se F é, deve ser P.
b) Se não for P, deverá ser S.
Assim : Sendo F o fato, P prestação(valor) e S sanção(norma).
            A divulgação da Teoria Tridimensional do Direito de Reale vem à tona e contrasta com o normativismo hierárquico de Kelsen, em particular porque nas palavras do jus-filósofo brasileiro:

"(...) a norma é a indicação de um caminho, porém, para percorrer um caminho, devo partir de determinado ponto e ser guiado por certa direção: o ponto de partida da norma é o fato, rumo a determinado valor. Desse modo, pela primeira vez, em meu livro Fundamentos do Direito, eu comecei a elaborar a tridimensionalidade. Direito não é só norma, como quer Kelsen, Direito, não é só fato como rezam os marxistas ou os economistas do Direito, porque Direito não é economia. Direito não é produção econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o Direito não é principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural tomista, por exemplo, porque o Direito ao mesmo tempo é norma, é fato e é valor".

            Diante exposto, podemos inferir a importância que a teoria tridimensional do Direito de Miguel Reale teve para o mundo jurídico, pois contribuiu muito com a revisão de conceitos que estavam quase solidificados no Direito, trazendo novos posicionamentos frente à operacionalização do mesmo.
            Miguel Reale encara o Direito de um ângulo ético, isto é, do ponto de vista da práxis. Aqui, o processo é visto como diz o próprio Reale em termos de “experiência axiológica” ou “histórico-cultural”[34]. Ao analisar o Direito enquanto “historicismo axiológico”, Reale entende que sujeito e objeto se implicam e se relacionam, mas desta relação não resulta a redução de um pelo outro e nem que seja imaginável a existência de um dos termos sem a existência do outro.
            Reale enfatiza, também, que a história não pode ser imaginada como algo acabado e que a própria categoria do passado só existe na medida em que haja possibilidade de futuro. O jus-filósofo brasileiro atenta, ainda, que o presente se constitui em tensão entre passado e futuro, e o dever ser “a dar peso e significado ao que se é e se foi”.
            Por fim, ressalte, ainda, que Miguel Reale afirma que “O Direito é um processo aberto exatamente porque é próprio dos valores, isto é, das fontes dinamizadoras de todo o ordenamento jurídico, jamais se exaurir em soluções normativas de caráter definitivo”[42].
            A bilateralidade é intrínseca ao direito, pois este, sendo fato social , - teoria tridimensional segundo Miguel Reale elencada a cima - pressupõe sempre a presença de dois ou mais indivíduos.          A bilateralidade atributiva é característica essencial da conduta de natureza jurídica. É a união objetiva de conduta que constitui e delimita exigências entre dois ou mais sujeitos e atribui tanto "direitos" como "deveres" entre os sujeitos da relação jurídica. "Uma proporção intersubjetiva em função da qual os sujeitos de uma relação ficam autorizados a exigir ou a fazer algo".

Segundo Reale," o direito é a ordenação ética coercível e bilateral atributiva das relações sociais, na medida do bem comum" ou até mesmo "união objetiva de conduta que constitui e delimita exigências entre dois ou mais sujeitos e atribui tanto "direitos" como "deveres" entre sujeitos da relação da relação jurídica" . Sua definição, portanto, apresenta a soma das características gerais e distintivas das normas éticas.
            Analisando-se os termos utilizados pelo autor na definição, verificamos que o direito é uma ordenação - conjunto de normas que organizam alguma coisa.   Por ser uma ordenação ética, essas normas organizam a esfera ética da cultura humana.O direito, assim, é um conjunto de normas éticas (uma “ordenação ética”). Todas as normas éticas compartilham de determinadas características gerais, como ditos acima: são imperativas (impõem uma conduta; regem-se pelo princípio da imputação – “dever ser”), violáveis (a conduta pode ser respeitada ou não) e contra fáticas (ainda que sejam desrespeitadas, as normas éticas não perdem seu valor). Além disso, o direito possui todas as características distintivas das normas éticas, conforme especificado por Miguel Reale:

  • É coercível, ou seja, busca minimizar o índice de violabilidade mediante ameaças de recurso à força;
  • É heterônomo, pois as normas jurídicas são elaboradas pelo Estado e devem ser cumpridas independentemente da aceitação íntima do destinatário;
  • É axiologicamente bilateral, pois busca concretizar valores que não estão reduzidos a uma das partes da relação fática, e sim valores que levam ao bem comum;
  • É atributivo, pois atribuem poderes garantidos aos destinatários das normas jurídicas.
            Convém destacar, por fim, que tal definição congrega os três elementos da tridimensionalidade ética: fato, valor e norma. O direito busca valores ligados ao bem comum (bilateralidade axiológica) por meio da criação de normas éticas heterônomas que limitam os fatos de modo coercível e atributivo.


Referências:

[1] Ibidem, p.81

[2] Miguel Reale, Filosofia do Direito, 19ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2003, p.153.